Nasci
pelado e chorão
de cara, encarei inverno
cortante como navalha,
mas fui recebido com cheiro
de alfazema e alecrim
antes, na simpatia da vó,
o coração de galinha
cozido ficou aberto
queriam me dar um nome
de doutor ou coisa assimo pai, na alegria etílica,
deu outro não tão ruim
único fruto
de árvore em extinção
a solidão marca a gente
fere feito ferrão
fui crescendo, não sei como,
loirinho, de olhos azuis,
mas depois escureceu
antes de pipa empinar
com roupa de marinheiro
bem no reclame do ônibus"Casas Buri", li primeiro
não corria atrás de bola
e nem jogava fubeca
quando ganhei bicicleta
troquei por escrivaninha
não lia gibi, era feio
só lia revista Recreio
de recortar e montar
e adorava enciclopédia
não brincava de bandido
apanhava p'ra comer
o boletim não podia
ter nota menor que cem
senão a mãe já brigava
eu queria ser bombeiro
ou vendedor de sapato
ou, quem sabe, cientista
cresci mais, esticando,
tímido e magricela
aos doze, ouvia Franz Lizt
e meu pai, só hard rock
na escola, no intervalo,
amargava maus bocados
a solidão fere a gente
marca feito uma tenaz
datilografia, inglês, piano
tinham planos para mim,
mas eu queria escrever
queria logo trabalho
não podia, era errado
tinha mais é que estudar
até que chegou a hora
vendi prego, fiz cobrança,
o banco foi minha parte...
queria as letras, a arte
corri, busquei, consegui
nada de turma ou amigos
era família, trabalho, igreja
nem dirigir eu quis
fui sempre guiado, acho
a solidão segue a gente
persegue feito assaltante
arranjei de me casar
parecia que era o certo
depois de muito namoro
pai quis saber se era isso
que eu na vida queria
pena que não entendi
casei virgem, acredite!
sonhei com um time de filhos
só tive um que não fiz
cansei de estar casado
agora, enfim, eu entendia
o que é que o velho dizia
quis resgatar o tempo
quebrar a casca do ovo
dos livros que trabalhei
de outros que escreviam
restou o gosto e o querer
a solidão segue a gente,
mas nem sempre se dá bem
no Corsário - quem diria! -
um dia meu anjo encontrei
essa é só parte da trilha
penosa que caminhei
mas que nunca trocaria
- uma ilusão sempre brilha -
nem diferente faria
dos desenhos que tracei.
Carlos Almeida
2 comentários:
Boa noite Carlos!
Uma vida em letras maiúsculas.
Obrigada por seguir o BRAILLE DA ALMA.
Sigo-te!
Grande abraço.
Felicidade é pouco...
1996 foi mágico e a cada ano me apaixono
Hoje me descubro reto, curvo
Paralelo ao sentimento poeta
De ter nas tuas letras a vida minha.
Casciano Lopes
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