sábado, 18 de setembro de 2010

1961



Nasci
pelado e chorão

de cara, encarei inverno
cortante como navalha,
mas fui recebido com cheiro
de alfazema e alecrim

antes, na simpatia da vó,
o coração de galinha
cozido ficou aberto

queriam me dar um nome
de doutor ou coisa assim
o pai, na alegria etílica,
deu outro não tão ruim

único fruto
de árvore em extinção

a solidão marca a gente
fere feito ferrão

fui crescendo, não sei como,
loirinho, de olhos azuis,
mas depois escureceu

antes de pipa empinar 
com roupa de marinheiro
bem no reclame do ônibus
"Casas Buri",  li primeiro

não corria atrás de bola
e nem jogava fubeca
quando ganhei bicicleta
troquei por escrivaninha

não lia gibi, era feio
só lia revista Recreio
de recortar e montar
e adorava enciclopédia

não brincava de bandido
apanhava p'ra comer
o boletim não podia
ter nota menor que cem
senão a mãe já brigava

eu queria ser bombeiro
ou vendedor de sapato
ou, quem sabe, cientista

cresci mais, esticando,
tímido e magricela

aos doze, ouvia Franz Lizt
e meu pai, só hard rock

na escola, no intervalo,
amargava maus bocados

a solidão fere a gente
marca feito uma tenaz

datilografia, inglês, piano
tinham planos para mim,
mas eu queria escrever

queria logo trabalho
não podia, era errado
tinha mais é que estudar
até que chegou a hora

vendi prego, fiz cobrança,
o banco foi minha parte...
queria as letras, a arte
corri, busquei, consegui

nada de turma ou amigos
era família, trabalho, igreja
nem dirigir eu quis
fui sempre guiado, acho

a solidão segue a gente
persegue feito assaltante

arranjei de me casar
parecia que era o certo
depois de muito namoro
pai quis saber se era isso
que eu na vida queria 
pena que não entendi

casei virgem, acredite!
sonhei com um time de filhos
só tive um que não fiz

cansei de estar casado
agora, enfim, eu entendia
o que é que o velho dizia

quis resgatar o tempo
quebrar a casca do ovo

das páginas e mais páginas
dos livros que trabalhei
de outros que escreviam
restou o gosto e o querer

a solidão segue a gente,
mas nem sempre se dá bem
no Corsário - quem diria! - 
um dia meu anjo encontrei

essa é só parte da trilha
penosa que caminhei
mas que nunca trocaria
- uma ilusão sempre brilha -
nem diferente faria
dos desenhos que tracei.

Carlos Almeida

2 comentários:

Juliana Carla disse...

Boa noite Carlos!

Uma vida em letras maiúsculas.

Obrigada por seguir o BRAILLE DA ALMA.

Sigo-te!

Grande abraço.

Poeta Casciano Lopes disse...

Felicidade é pouco...
1996 foi mágico e a cada ano me apaixono
Hoje me descubro reto, curvo
Paralelo ao sentimento poeta
De ter nas tuas letras a vida minha.
Casciano Lopes

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