quinta-feira, 24 de março de 2011

Vontade



"Até onde conseguimos discernir,
o único propósito da existência humana
é acender uma luz na escuridão
da mera existência."
Carl Jung 

De adúltero ventre nascido,
fruto de lutas vãs,
carregava triste passado
refletido em suas cãs.

Avançada a idade...
Quanta? não sabia;
perdera a conta.
Corpo arqueado,
enrugada a face,
mente confusa,
memória nublada.

O tempo,
em seu hipnótico girar,
condensara-se
no não mais ser.
quase cessara.

Visão opaca;
sombras por companhia.
Unhas, cabelos, sonhos...
nada mais crescia.

Um tedioso
tiquetaquear:
a música que ainda ouvia.

A cor rouca da voz
ao seu olhar comparado
lembrava contraste atroz:
quando sorria,
do olhar o brilho perdia.
O ruído do seu riso,
gasto, opaco, amarelecido -
como antigo retrato -
dava-lhe um nó no peito
e uma angústia sem jeito
o fazia chorar...
a lava da lágrima ardia
ao rolar na rocha fria
do rosto já sulcado,
descarnado pela erosão
de um coração sem amor.

Vida sem vida para dar
(e sem esperar receber)
sepultada nas trevas
da pressa das horas.

Mas da funda escuridão
uma utopia restava...
ainda um fôlego:
quem sabe ainda pudesse
algo ainda germinar
no corrompido solo
do quase nada que restou.

Portas já fechadas,
buscava uma janela,
uma fresta,
um raiozinho de luz...
e talvez houvesse tempo,
ocasião ou chance
para o milagre
do renascimento...

        Pensava nisso
        quando suspirou.
Carlos Almeida
BlogBlogs.Com.Br