terça-feira, 31 de agosto de 2010

Primeiros socorros

“Somos todos anjos de uma asa só,
precisamos nos abraçar para poder voar”
(Uns atribuem a Quintana, outros a Pessoa...
eu atribuo ao sentimento que inspirou o poeta)

Anjo sofre se não voa.
Preso um anjo entristece.
Precisa muito cuidado
 - que só um anjo merece - 
quando ele fica irritado.


     Meu anjo quebrou a asa.
     Vê-lo infeliz é tortura.
     É preciso muito amor
     e uma boa atadura.


Só aos pares nós voamos,
nós, anjos de uma asa só.
Quando um fica ferido
o outro fica também.
mas tem que fazer de tudo
para o seu par ficar bem.


     Anjo sofre se não voa.
     Se quebra a asa é pior.
     Mas logo ficará boa.


Anjos, assim como nós,
'inda que muito não queiram,
depressa se recuperam,
pois jamais ficam sós.


Carlos Almeida

domingo, 29 de agosto de 2010

Espinho na carne

Espinho
   carne
      dor

         Flor
            espinho
               dor

                  Abelha
                     carne
                        dor

                                             Abelha
                                          flor
                                       amor

Carlos Almeida

Basilar

O poeta que me perdoe, mas
'beleza é fundamental' ter dentro,
no coração.
É como a sábia raposa
disse ao principezinho:
'aos olhos, é invisível o essencial'.


Beleza é fundamental
em um caráter maduro.
Beleza
nos sentimentos,
dos pensamentos bons.
Tempos e ventos
deformam as externas formas.
Mas o espírito fica
se em beleza é formado.

Reverencio Vinícios,
Ele há de perdoar...
Beleza é mesmo fundamental,
mas como o disse Saint Exupéry:
Beleza que não se vê
é que é fundamental.

Carlos Almeida

sábado, 21 de agosto de 2010

Três coisas difíceis e um objetivo

Benjamim Franklin disse:
"As três coisas mais difíceis do mundo são:
guardar um segredo,
perdoar uma ofensa
e aproveitar o tempo."

Todos temos
pensamentos velados,
cismas, conhecimentos ocultos,
descobrimentos não revelados,
segredos enfim.
É natural que os haja.
É humano.
Um segredo é, em princípio,
algo que só a gente mesmo conhece.
Mas também há aquele
que se conta a alguém de confiança.
Mas contado, nunca se terá certeza
se continua secreto o segredo.
Há tantos segredos
que não deveriam ser assim
tão secretos;
que deveriam ser contados a todos,
publicados, divulgados.
Mas há outros que não se devem
nunca nem respirar
quando neles se pensa...
Senão não se sabe mais
se é segredo.
Não se sabe se fez bem ou não
a quem ouviu
ou se já não há sigilo.

Todos nós, vez por outra,
deslizamos da delicadeza,
pisamos na gentileza,
ignoramos o bom-senso
e acabamos ofendendo alguém.
... E, pior, geralmente
é pessoa próxima, amada.
Quase sempre a mais amada!
Quando a indelicadeza apenas
era só um pensamento,
uma coceira na língua,
quando ainda não havia
se concretizado em palavras
devia ter morrido entre os dentes
e os lábios.
Quando a ofensa ainda era
pequenina, um germe,
como pequena ferida,
podia ser estancada a sagria.
Mas quando se chega a ferir
com a adaga da língua
cortando o sagrado do outro,
é como prego em madeira:
tira-se o prego, mas o buraco fica.
Há vezes que se ofende
por injúria ou calúnia,
outras por falar verdade
da maneira errada,
fora de hora.
O efeito é triste!
... e será o mesmo
em qualquer caso.

Aproveitar o tempo
é coisa preciosa,
mas nada pior
que perder tempo
com desconfianças
e mágoas.
Entretanto,
uma vez dito o segredo,
ou proferido o impropério,
não se deve perder tempo
com mau pensamento.
Ou pior, perder mais que tempo
com mais ofensas
ou terríveis revelações.
Aproveitar o tempo
para quê?
Poupa-se tempo
para se ter tempo
de ser feliz!
Não se pode destruir
a ponte por onde
se quer passar...
Quando se busca alívio
o caminho de cada um
é um...
Mas, por qualquer trilho,
atalho ou ponte que vá,
vai sempre ao encontro
do mesmo ansiado
objetivo:
paz!

Carlos Almeida

sábado, 14 de agosto de 2010

Fluência

















O rio corre.
   A água escorre
      no leito macio.

         Da fonte brota
            um botão d'agua.
               Água que escorre
                  no rio que corre
                     no leito macio.

                     Correndo o rio
                  leva o botão
               até o mar
            para poder
         desabrochar.

         A água corre
            no rio que escorre
               levando macio
                  o botão d'agua
                     que desabrocha,
                        murcha no mar.

Carlos Almeida

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Presente mal passado



O carro corre.
Vento
Chuva
Passos apressados
nas calçadas passadas
O homem.
O relógio!
Voa
Vai inverno
O sino toca
Vem verão.
O homem decide.
O relógio.
A vida passa
A tinta acaba
 A ponta quebra!
Passa carro,
caminhão...
O sinal!
A tensão.
Passam correndo.
Atenção!
Bate.
O médico apressado.
O relógio!
... decidido.
O coração bate?
O coração pára.

O dia passa e também
a luz escassa deste mundo,
deste caos.
A vida acaba.
Voa a vida e não sentimos.
... E o relógio:
tique, taque,
tique, taque ...

Depois de tudo o que fica?
O que vai?
O que é que há além do túnel
(se é que algum túnel há)?
Depois do depois
vem o que?
Há muito,
desde o começo do Tempo
se quer saber de outras vidas
além do fim desta que temos.
Se continua, ou não,
o pensamento ...

Passa-se assim muito tempo
masturbando-se o entendimento.
Será que não seria melhor
passar o presente
bem passado.
Melhor usar logo,
bem e sem pressa,
o presente
do tempo
presente
enquanto ele é agora.
Senão já não é mais...
e o passado
não passa
jamais.

Carlos Almeida

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Viagem para a terra de dentro

A viagem!
Ansiava por ela.
Problema:
como dizer adeus?

Última manhã com os seus.
Foi.
Não disse nada.
Despedir-se doeria mais.
Ficassem com Deus.

Andou, andou...
Andou muito sem rumo.
Caminhos desconhecidos,
veredas místicas,
paisagens agradáveis.
Belezas invadiram seus olhos,
sua alma.

Sucederam-se casos e ocasos;
um, porém, especial:
folhas da árvore-pousada,
relva-colchão,
regato cantando,
águas avermelhadas,
douradas de poente.
Nostalgia no ar,
pedra-travesseiro,
cabeça a fiar o novelo do destino.
Coração queria mudar tudo.
Teve medo
de ter medo.

Com a noite, tristeza,
saudade dos que ficaram...

Imerso nas sombras,
na melancolia,
vigiava o nada.

Solidão,
vazio.

Emergiu para namorar a Lua.
Estrelas enciumadas rutilavam quietas.

Adormeceu.

Aurora.
Aves celebram
aromas florais.
Companheira, a brisa,
sugere, apela...
o amigo bom-senso decide:
Voltar!

Lição:
Sempre,
em qualquer canto,
viria a ser
quem sempre havia sido.

...e se a viagem solitária
- que ensinou-lhe a liberdade -
era fuga,
voltar era a satisfação
que nunca teria
se não houvesse
viajado.

Carlos Almeida

sábado, 7 de agosto de 2010

Sobre viver


sou
punhado de poeira
sobre imensas águas
gota d'água amarga
em deserto sem-fim


... cinzas
diluído em incertezas
perco-me em trevas

...
silêncio perturbador
multidão de vazios

sobre viver por hábito
dizem chamar-se
esperança
trazida pela aurora
o ocaso a leva embora.

sou isso tudo
sou nada
quando me atinge a solidão

Carlos Almeida



Retocando o toque

Mãos que sobre mãos repousam,
acenar não ousam.
Doloridas, calejadas,
dilaceradas, envelhecidas,
sofridas, vencidas.

Mãos que, num gesto,
outras mãos desativam.
Tensas, impetuosas,
frias, vendidas,
acabadas, perdidas.

Mãos que mãos procuram,
encontrando-se em outras.
Finas, delicadas,
gentis, amáveis,
seguras, musicais.

Mãos que minhas mãos procuram.
Fortes, poéticas.
Penetrando no tato a emoção,
a energia, o calor.

Retocando o tom,
sentindo o carinho
num toque.


Carlos Almeida


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Bela viola

Há sempre algum mal
      além das melhores aparências.

Há sempre uma desgraça
     escondida no canto riso.

Há sempre um odioso bandido
     por trás do infantil palhaço.

Há sempre uma ave de rapina
     dentro da inocente apicuí.

Há sempre uma gota de veneno
     instilada no sumo do açaí.

Desde Eva, há sempre no homem
     um pouco de bestafera.

Há sempre um inseto nocivo
      no colo de dama-flor.

     O mel nunca é puramente doce.

     A vida é morrer também.

Carlos Almeida

Lua nova









Cadê a Lua?

Era grande,
cheia de amor.
Mas foi minguando,
minguando...

Era de mel.
Mas, aos poucos,
foi se amargando.

Era de prata.
Mas pelo uso
(ou pelo desuso?)
foi embaçando.

Só que a Lua não foi de vez.
Escondeu-se apenas
e está se renovando.

É mesmo assim,
todos sabem:
Quando não há Lua,
aí é que ela é nova
e depois será crescente.
Logo, logo volta cheia.

Ora, se a Lua pode...

Carlos Almeida

Castigo inconfessável

Inconfessável,
mais que
o crime
de amar:
o castigo
do desejo.

Carlos Almeida

Feriado


Posam estáticos
manequins nus
nas vitrinas.

Portas cerradas,
calçadas sujas,
ruas cinzentas.

Sem-teto aos montes.
Montes de lixo,
de droga.

Cidade feia.
Fria cidade
vazia.
... de justiça.

Sem vida
como os manequins
pelados nas vitrinas.

Carlos Almeida
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