quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O direito a nudez

[atualizado em 21/12/11]


A cultura não serviria à civilização se não tentasse extirpar do homo sapiens certos aspectos que nele são naturais.

Imagine que um dia você acorde despido de “pudor” e roupas e que a consciência da vida convencional não cobre que se cubra e, naturalmente, acima de qualquer bem ou qualquer mal, você vá comprar o pão de cada dia assim... naturalmente nu. Seria logo preso ou internado como louco ou  excomungado... ou tudo isso de uma vez.

Há muito tempo atrás um hominídeo – talvez o elo perdido, um adão qualquer – ao associar seus medos à sexualidade inventou a impureza, a moral; passou a esconder o que era natural para cobrir a impureza imaginada, fabricada. As folhas ou peles – que antes usava para proteger seu corpo – passou a ter função de ocultar sua "intimidade", passou a integrar um certo pudor, contudo, não fizeram desaparecer o equívoco de seus medos, mas apenas escondeu a beleza do que lhe tinha sido original. Sempre que olhasse um semelhante, de geração em geração, o homem não deixaria de ver no outro a impureza, agora estampada nas fibras do que passou a ser roupa.

Tão convencional quanto abstrair numerais, quanto criar signos para a linguagem, quanto teorizar e medir tempo espaço – e talvez mais antigo que tudo isso – é o ato de mudar a natureza com vestuário.

Cultura e civilização – mistérios criados pelo homem que nem o próprio homem compreende plenamente.

Considera-se hoje o ato de “cobrir as vergonhas” como algo tão natural e inquestionável que, muitas vezes, não se percebe a moral por trás disso. Não há, contudo, instinto – hoje, nem mesmo o de se proteger – que explique a necessidade de vestir as regras. Não há coerência para explicar tal fato que se esconde na experiência da vida em comum, na famigerada ordem social, no pudor público.

Para gregos e romanos a roupa era mais ornamento – além da utilidade nos combates. Entre os silvícolas a nudez é natural até que tomem contato com etnias que a considerem essencial. Assim como vícios e doenças antes desconhecidos por povos sem contato com os que se aclamam civilizados. Entre as filhas do Islã fundamentalista morre-se por descobrir a face. Já no Ocidente cristão insinuar – esconder mostrando quase tudo – é a regra. Ao sul do equador, em festas populares [carnaval, por exemplo], a ornamentação da nudez é comercializada. Em fóruns e tribunais, em quase todo o mundo, o dress code é o mesmo que os empresários (capitalistas) mostram na mídia. Jovens, periodicamente, buscam novas maneiras, modas, para fazer o mesmo sempre – vestir. Naturistas encontram-se em guetos – só lá são aceitos – onde buscam se livrar de umas amarras, criando outras... São tantas regras para se estar nu onde todos lá também estão!

Esse aspecto cultural – a roupa, ou melhor, a não-nudez – serve apenas como recorte para tantas outras hipocrisias e absurdos que o homem – ser paradoxal – se impõe em nome de uma moral civilizatória que, por mais que se tente explicar, cairia em motivações puramente metafísicas ou alheias às razões possíveis e aos instintos impossíveis.

Carlos Almeida 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Nó górdio

Oráculos e desafios...
Para destinos sombrios.

Uma espada de guerra
A resposta encerra
Cortar do tempo o liame
e desfazer o cordame
Ou continuar esperando
Seguir sempre tentando
Os deuses desenxofrar
Quem este nó decifrar

Não se vê fim ou começo
Esse oculto desapreço
Essa estranha bravata
Do laço que não desata

Preso está ao passado
Preso e inconquistado
Um reino como presente
Com trono como patente
E o prêmio do futuro
Ao mais valente e puro
Carlos Almeida



A provável lenda do nó górdio remonta ao século VIII a.C.

Conta-se que o rei da Frígia (Ásia Menor) morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciou que o sucessor chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês, de nome Górdio, que foi coroado. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um nó a uma coluna, nó este impossível de desatar e que por isso ficou famoso.

Górdio reinou por muito tempo e quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Midas expandiu o império, porém, ao falecer não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor.

Quinhentos anos se passaram sem ninguém conseguir realizar esse feito, até que em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Lenda ou não o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.

É daí também que deriva a expressão "cortar o nó górdio", que significa resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Deixados pelo caminho

















... Acaba que o que ficou, não tem volta.
Do que no caminho se deixou fica o vazio;
Uma melancolia, uma sede, uma saudade:
Aquele plano de viagem, frustrado,
O amigo, tão terno, tão meigo, não achado,
As velas dos bolos e os presentes, passados,
A blusa que encolheu, a calça que manchou...
A professorinha, tão boa! Que é dela?
Queridos entes que outra luz viram...

Mas existe, persiste, tudo na lembrança.
Mas lembrança é daquilo que não é mais!

Resta, então, seguir criando, sentindo,
fazendo, amando outro tanto que,
no futuro, mesmo deixado no caminho,
seja recordado vivo do que se quer de novo.

Carlos Almeida

quinta-feira, 24 de março de 2011

Vontade



"Até onde conseguimos discernir,
o único propósito da existência humana
é acender uma luz na escuridão
da mera existência."
Carl Jung 

De adúltero ventre nascido,
fruto de lutas vãs,
carregava triste passado
refletido em suas cãs.

Avançada a idade...
Quanta? não sabia;
perdera a conta.
Corpo arqueado,
enrugada a face,
mente confusa,
memória nublada.

O tempo,
em seu hipnótico girar,
condensara-se
no não mais ser.
quase cessara.

Visão opaca;
sombras por companhia.
Unhas, cabelos, sonhos...
nada mais crescia.

Um tedioso
tiquetaquear:
a música que ainda ouvia.

A cor rouca da voz
ao seu olhar comparado
lembrava contraste atroz:
quando sorria,
do olhar o brilho perdia.
O ruído do seu riso,
gasto, opaco, amarelecido -
como antigo retrato -
dava-lhe um nó no peito
e uma angústia sem jeito
o fazia chorar...
a lava da lágrima ardia
ao rolar na rocha fria
do rosto já sulcado,
descarnado pela erosão
de um coração sem amor.

Vida sem vida para dar
(e sem esperar receber)
sepultada nas trevas
da pressa das horas.

Mas da funda escuridão
uma utopia restava...
ainda um fôlego:
quem sabe ainda pudesse
algo ainda germinar
no corrompido solo
do quase nada que restou.

Portas já fechadas,
buscava uma janela,
uma fresta,
um raiozinho de luz...
e talvez houvesse tempo,
ocasião ou chance
para o milagre
do renascimento...

        Pensava nisso
        quando suspirou.
Carlos Almeida

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Halo lunar


Brilha
auréola
colorida
languidamente
rutilando
luminescente,
límpida,
clara
luz...
satélite
natural
sulcando
leito
estelar
qual
alegria
vital
filtrando
delicadamente
tal
lume
astral
melífluamente
Carlos Almeida

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Abraço completo

Procuro um abraço.

Como não se "dão"
mais abraços apenas,
sem intenções,
sem interesses,
só por abraçar,
preciso saber
onde se "vende"
um abraço...

Mas tem que vir
com todos os itens
de fábrica:
com ombro para chorar,
com ouvidos para escutar,
dom dedos para afagar,
com braços para proteger,
com sorriso para alegrar.

Tem que ser abraço completo;
sentido... demorado...
com garantia de funcionar.

Compra-se um abraço;
pago com outro em troca.
Carlos Almeida
BlogBlogs.Com.Br