terça-feira, 28 de setembro de 2010

Oráculo

Dificilmente
você faz algo
sem o consultar

Você lembra dele
antes de sair
ao chegar
ao ir dormir
ao levantar

Ele indica
para tudo
o que você faz
um tempo
determinado

Seus braços são
um revolucionar
constante

Ele fraciona
o que você
queria inteiro
e integra
o que você
dividiu

Viver sem ele
hoje, é quase loucura

Tem vezes que o odeia
mas acaba sempre
por buscá-lo

Ele está sempre junto
sempre por perto
em muitos lugares
por onde quer que vá

Ele marca
as grandes decisões
mas também
lembra das fúteis

Há nele um pulsar
um jeito de vida que vai
que vem

Tic... tac...

Carlos Almeida

domingo, 26 de setembro de 2010

Podia ser diferente




sexagenário humilde
pedindo moeda p'ra o gás
ontem perdeu os cabelos
e depois perdeu o pente
sonha em se aposentar
em um ano e quatro meses
hoje só quer comida
amanhã quer por o dente

por algum troco agradece
- Olha, Deus dê a vocês
mais cento e trinta e dois anos

espero que o velho tenha
bem mais que o osso a roer
mais que comer rapadura
se o melhor ficou p'ra traz
que consiga a dentadura

Carlos Almeida

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Tanto assim!

Aquieta teu coração,
Teu amor aqui está
Ao teu lado sempre, sempre.
Lê em mim em cada olhar,
Em cada gesto e no falar.
Mesmo que não te pareça,
Lê em mim que te amo assim:
De dedinhos as mãos cheias,
Emprestando 'té dos outros,
P'ra poder dizer-te o quanto.
Lê em mim: te amo muito.
Te amo agora e sempre mais,
E mais...
E mais...











Carlos Almeida

sábado, 18 de setembro de 2010

1961



Nasci
pelado e chorão

de cara, encarei inverno
cortante como navalha,
mas fui recebido com cheiro
de alfazema e alecrim

antes, na simpatia da vó,
o coração de galinha
cozido ficou aberto

queriam me dar um nome
de doutor ou coisa assim
o pai, na alegria etílica,
deu outro não tão ruim

único fruto
de árvore em extinção

a solidão marca a gente
fere feito ferrão

fui crescendo, não sei como,
loirinho, de olhos azuis,
mas depois escureceu

antes de pipa empinar 
com roupa de marinheiro
bem no reclame do ônibus
"Casas Buri",  li primeiro

não corria atrás de bola
e nem jogava fubeca
quando ganhei bicicleta
troquei por escrivaninha

não lia gibi, era feio
só lia revista Recreio
de recortar e montar
e adorava enciclopédia

não brincava de bandido
apanhava p'ra comer
o boletim não podia
ter nota menor que cem
senão a mãe já brigava

eu queria ser bombeiro
ou vendedor de sapato
ou, quem sabe, cientista

cresci mais, esticando,
tímido e magricela

aos doze, ouvia Franz Lizt
e meu pai, só hard rock

na escola, no intervalo,
amargava maus bocados

a solidão fere a gente
marca feito uma tenaz

datilografia, inglês, piano
tinham planos para mim,
mas eu queria escrever

queria logo trabalho
não podia, era errado
tinha mais é que estudar
até que chegou a hora

vendi prego, fiz cobrança,
o banco foi minha parte...
queria as letras, a arte
corri, busquei, consegui

nada de turma ou amigos
era família, trabalho, igreja
nem dirigir eu quis
fui sempre guiado, acho

a solidão segue a gente
persegue feito assaltante

arranjei de me casar
parecia que era o certo
depois de muito namoro
pai quis saber se era isso
que eu na vida queria 
pena que não entendi

casei virgem, acredite!
sonhei com um time de filhos
só tive um que não fiz

cansei de estar casado
agora, enfim, eu entendia
o que é que o velho dizia

quis resgatar o tempo
quebrar a casca do ovo

das páginas e mais páginas
dos livros que trabalhei
de outros que escreviam
restou o gosto e o querer

a solidão segue a gente,
mas nem sempre se dá bem
no Corsário - quem diria! - 
um dia meu anjo encontrei

essa é só parte da trilha
penosa que caminhei
mas que nunca trocaria
- uma ilusão sempre brilha -
nem diferente faria
dos desenhos que tracei.

Carlos Almeida

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Triângulo

Jaci era casada,
mas o marido era um fogo só...
o marido, seu irmão,
não queria - de ciúme -
que ela se visse n'água.

Um dia Jaci, de tão triste,
começou a cantar,
o Sol que a prendia
esmaeceu dourado,
mas não parou de brilhar.
Dormiu.

Foi nessa noite que ela
brilhou, cheia, e linda
foi se ver no Mar.

Ah! o Mar...
Desde então todo dia
Ela canta para o marido dormir
e vai se encontrar
com a paixão descoberta.

Amante segue brilhando
fazendo o mar de prata.

Carlos Almeida

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Poeminha antropofágico

















Grandes pés
pés de nativo
de quem muito anda

Mão enorme
de quem trabalha
e não cansa

Cabeça pequena
de quem pouco pensa
ou que se deixa levar
por outros que pensam

corpo cansado
pronto pra ser engolido
devorado

ou antes,
melhor seria,
se devorasse

ainda que fosse
a própria carne

Ibi, a terra, mãe e mulher
Aba, o homem, índio e filho
Coaraci. o sol, avô e pai
Mandacaru, o cacto, roça e comida

Abaporu 

Carlos Almeida

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Vitral


Tranluz

Reluz

Traduz

Imagens

D'além

Carlos Almeida

sábado, 4 de setembro de 2010

Vai graxa aí, tio?


- Hei, menino,
quantos tios você tem?
...
Lá vai o moleque:
cara suja,
pé no chão,
caixote às costas,
o pixote busca o pão.
...
- E aí, piá quanto é?
...
Começa o ritual:
sentado na caixa,
de um lado a lata,
o trapo, a pasta,
do outro as escovas;
numa perna a flanela,
na outra o pano de brilho.
...
- Anda logo moleque,
tô com pressa!
...
Findo o batuque
do pano no sapato
espera a gorjeta.

Lá vai o menino:
caixa suja,
dor nas costas,
pé no chão.
...
- Ô pivete,
o que você vai ser
quando crescer?
- Sei não.
Só sei, doutor,
que só vou usar
sapato de camurça...

Carlos Almeida

Passa

Espaço verde
(que um dia foi mais verde)
ou de concreto apenas,
compartilhável,
com seu colar de metálicos,
balizados ou não.
Aberto a naturezas, culturas,
também a mediocridades.
Até propagandas tem:
vote-em-mim e coca-colas.

Lá, dia ou noite, se vê:
a criança co'a babá,
o casal de namorados,
os amantes ou afins,
seus dissabores e amores,
o executivo e os negócios,
o operário e o patrão,
o ambulante e o 'rapa',
novos e antigos amigos
- sinceros ou interesseiros -
colegas e companheiros,
matando aula, o estudante,
esculturas e chafariz,
pivetes e engraxates,
mendigos e vagabundos,
malandros e prostitutas.
'reco', polícia e ladrão,
uns rapazes delicados,
outros nem tanto, na mão,
coreto para políticos,
vendedores, pregadores
- para opostos e iguais -
co'a boca no trombone.
É ringue para rivais,
estúdio para os artistas.

Hoje o espaço é assim,
mas amanhã tudo praça.

Carlos Almeida

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Preto no branco















Quem saberá por que o homem,
ao buscar conhecimento de si,
tropeça nos fardos alheios
entulhados bem na porta
do próprio coração?

Dizem que a consciência
do sofrimento do outro
sublima o nosso. Não sei ...

Como é que se encontra
passagem livre
para a descoberta
dos caminhos interiores?

Quando é que se é bom
o bastante para não ter
que se preocupar em ser bom?

Quantas questões!
Tanta dúvida!

Se indagar
é refletir o vazio,
ao menos a página
está cheia.

Carlos Almeida

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Canto guerreiro

Tupã,
acode quem pode
teu nome cantar,
dizer que és enorme,
que vês o sofrer.

Ó grande Tupã,
não deixa o chicote
açoitar tua Terra.
Não deixa teus filhos
nas penhas morrer.
Não deixa a boa chuva
tornar-se terror
e nem o bom sol
queimar a mani.

Tupã soberano,
não deixa a mão branca
cavar o teu solo
roubar o teu ouro,
diamantes, rubis.
Não deixa Anhangá
beber da tua água
ou sem vida a deixar.

Eterno Tupã,
teus braços gigantes
estende até nós.
queremos subir
e poder ficar
além do Trovão,
tranquilos e fortes
guerreiros do bem,
guerreiros tupi.

Carlos Almeida

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Louvação ao sino do TEMPO

ao poeta Casciano Lopes (blog sino do TEMPO)          


O 'Voz das Horas'
Avisa
            a vida nova
            a prece
            os finais
Aclama
            regressos
            ouro em laços
            troféus
Chora
            lenços brancos
            ... e
No carrilhão do tempo
Ergue-se
            no campanário das existências
Canta
            em tons solenes
Canta versos
Solfejados
Em busca de reflexos
Do que foi
Do que será
            E faz cogitar
            De outros espelhos
            De outros versos
Das buscas do outro

Carlos Almeida
BlogBlogs.Com.Br