quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Eclipse

Sombra!

Treva dessa Terra escura
sobre a prateada Lua.

Por que festejam
a sombra?

A Terra, nessa treva,
turbou a luz
do astro-satélite
só por sentir-se maior,
azul?

Reflexo e refletor
tiveram seu coito
interrompido.
Água entre o fogo
e o espelho.

Seria só
um solstício qualquer,
só mais uma noite...
Só que, por algum tempo,
mais escura.

A Terra tenebrosa perdeu...
perdeu a beleza do brilho
em que interveio e entreviu.

Foi só sombra.

Carlos Almeida

domingo, 28 de novembro de 2010

Fim de ano inteiro

Dobram os sinos,
brilham as velas.
Chegou o Natal!

Algo diferente paira no ar...

Presentes e fitas,
perus e ceias,
encontro em família,
música e vinho...
São as festas!

Pinheiros brancos,
tempo de paz.
Barbas brancas,
tempo de alegria...
ou fantasia?

Algo diferente paira no ar...

Votos de muito amor,
desejo de felicidade.
Tudo embrulhado,
bonito, enfeitado
de verde e vermelho...

Há algo estranho no ar...

Ou o ano inteirinho
foi faz-de-conta
e a vida real é Natal,
Ou o que fim-de-ano traz
não passa de hipocrisia...

 - Poeta desagradável!
alguém dirá!
Mas se há algo estranho,
não é o poeta não...

Bem que podia
ser Natal todo dia!

Feliz todo dia!

Carlos Almeida

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Saudação

Salve, leitores queridos
de perto e d'além mar!

Grato sou por tanto apreço.
'Té sinto que não mereço.

Mas, se de tanto que se produz,
viestes a estas letras dar conta
é porque algo a dizer-lhes tenho
e a mim o tens também.
Se me fazes crescer nestas ondas,
faço a vós algo de bem.

Salve, brazucas!
Salve, lusos!
Salve, irmão de toda Terra!

Cá o sabiá 'inda canta,
lá o fado me embala.
É prazer que encanta
poder tão perto estar
estando entre nós o mar.

Salve, lira portuguesa,
herança camoniana!
Salve, Cabo! Salve, Angola!
e todos dos outros falares.

Minh'alma é um pouco de vós,
Voss'alma em mim tem nós.

Grato sou por tanto apreço;
por companhia me fazeres 
e a navegar teus olhares
pelos veios do coração
deste aprendiz de poeta.

Salve, d'além mar irmão!

Carlos Almeida

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Decifra-me ou te devoro

A efígie
do escritor
com a cabeça
na lua,
sangrando
a veia poética,
faz sopa
de letrinhas
e escreve
"livros de poemas"
em segundos.

Enigma
de Esfinge
quase incestuoso:
Entre o poeta
e o papel,
um caso
de amor
à palavra.

Carlos Almeida

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Vai menino

brinca
brinca que hoje
ainda pode

brinca de
taco, trenzinho,
carrinhos,
bola, pipa, pião,
pega-pega,
esconde-esconde,
fubeca, mão-na-mula,
quebra-cabeça,
pique, peteca, 
game, computador...

brinca, estuda
e aprende da vida
que há muito a se viver

brinca muito hoje
que amanhã
vai trabalhar

Carlos Almeida

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Oráculo

Dificilmente
você faz algo
sem o consultar

Você lembra dele
antes de sair
ao chegar
ao ir dormir
ao levantar

Ele indica
para tudo
o que você faz
um tempo
determinado

Seus braços são
um revolucionar
constante

Ele fraciona
o que você
queria inteiro
e integra
o que você
dividiu

Viver sem ele
hoje, é quase loucura

Tem vezes que o odeia
mas acaba sempre
por buscá-lo

Ele está sempre junto
sempre por perto
em muitos lugares
por onde quer que vá

Ele marca
as grandes decisões
mas também
lembra das fúteis

Há nele um pulsar
um jeito de vida que vai
que vem

Tic... tac...

Carlos Almeida

domingo, 26 de setembro de 2010

Podia ser diferente




sexagenário humilde
pedindo moeda p'ra o gás
ontem perdeu os cabelos
e depois perdeu o pente
sonha em se aposentar
em um ano e quatro meses
hoje só quer comida
amanhã quer por o dente

por algum troco agradece
- Olha, Deus dê a vocês
mais cento e trinta e dois anos

espero que o velho tenha
bem mais que o osso a roer
mais que comer rapadura
se o melhor ficou p'ra traz
que consiga a dentadura

Carlos Almeida

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Tanto assim!

Aquieta teu coração,
Teu amor aqui está
Ao teu lado sempre, sempre.
Lê em mim em cada olhar,
Em cada gesto e no falar.
Mesmo que não te pareça,
Lê em mim que te amo assim:
De dedinhos as mãos cheias,
Emprestando 'té dos outros,
P'ra poder dizer-te o quanto.
Lê em mim: te amo muito.
Te amo agora e sempre mais,
E mais...
E mais...











Carlos Almeida

sábado, 18 de setembro de 2010

1961



Nasci
pelado e chorão

de cara, encarei inverno
cortante como navalha,
mas fui recebido com cheiro
de alfazema e alecrim

antes, na simpatia da vó,
o coração de galinha
cozido ficou aberto

queriam me dar um nome
de doutor ou coisa assim
o pai, na alegria etílica,
deu outro não tão ruim

único fruto
de árvore em extinção

a solidão marca a gente
fere feito ferrão

fui crescendo, não sei como,
loirinho, de olhos azuis,
mas depois escureceu

antes de pipa empinar 
com roupa de marinheiro
bem no reclame do ônibus
"Casas Buri",  li primeiro

não corria atrás de bola
e nem jogava fubeca
quando ganhei bicicleta
troquei por escrivaninha

não lia gibi, era feio
só lia revista Recreio
de recortar e montar
e adorava enciclopédia

não brincava de bandido
apanhava p'ra comer
o boletim não podia
ter nota menor que cem
senão a mãe já brigava

eu queria ser bombeiro
ou vendedor de sapato
ou, quem sabe, cientista

cresci mais, esticando,
tímido e magricela

aos doze, ouvia Franz Lizt
e meu pai, só hard rock

na escola, no intervalo,
amargava maus bocados

a solidão fere a gente
marca feito uma tenaz

datilografia, inglês, piano
tinham planos para mim,
mas eu queria escrever

queria logo trabalho
não podia, era errado
tinha mais é que estudar
até que chegou a hora

vendi prego, fiz cobrança,
o banco foi minha parte...
queria as letras, a arte
corri, busquei, consegui

nada de turma ou amigos
era família, trabalho, igreja
nem dirigir eu quis
fui sempre guiado, acho

a solidão segue a gente
persegue feito assaltante

arranjei de me casar
parecia que era o certo
depois de muito namoro
pai quis saber se era isso
que eu na vida queria 
pena que não entendi

casei virgem, acredite!
sonhei com um time de filhos
só tive um que não fiz

cansei de estar casado
agora, enfim, eu entendia
o que é que o velho dizia

quis resgatar o tempo
quebrar a casca do ovo

das páginas e mais páginas
dos livros que trabalhei
de outros que escreviam
restou o gosto e o querer

a solidão segue a gente,
mas nem sempre se dá bem
no Corsário - quem diria! - 
um dia meu anjo encontrei

essa é só parte da trilha
penosa que caminhei
mas que nunca trocaria
- uma ilusão sempre brilha -
nem diferente faria
dos desenhos que tracei.

Carlos Almeida

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Triângulo

Jaci era casada,
mas o marido era um fogo só...
o marido, seu irmão,
não queria - de ciúme -
que ela se visse n'água.

Um dia Jaci, de tão triste,
começou a cantar,
o Sol que a prendia
esmaeceu dourado,
mas não parou de brilhar.
Dormiu.

Foi nessa noite que ela
brilhou, cheia, e linda
foi se ver no Mar.

Ah! o Mar...
Desde então todo dia
Ela canta para o marido dormir
e vai se encontrar
com a paixão descoberta.

Amante segue brilhando
fazendo o mar de prata.

Carlos Almeida

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Poeminha antropofágico

















Grandes pés
pés de nativo
de quem muito anda

Mão enorme
de quem trabalha
e não cansa

Cabeça pequena
de quem pouco pensa
ou que se deixa levar
por outros que pensam

corpo cansado
pronto pra ser engolido
devorado

ou antes,
melhor seria,
se devorasse

ainda que fosse
a própria carne

Ibi, a terra, mãe e mulher
Aba, o homem, índio e filho
Coaraci. o sol, avô e pai
Mandacaru, o cacto, roça e comida

Abaporu 

Carlos Almeida

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Vitral


Tranluz

Reluz

Traduz

Imagens

D'além

Carlos Almeida

sábado, 4 de setembro de 2010

Vai graxa aí, tio?


- Hei, menino,
quantos tios você tem?
...
Lá vai o moleque:
cara suja,
pé no chão,
caixote às costas,
o pixote busca o pão.
...
- E aí, piá quanto é?
...
Começa o ritual:
sentado na caixa,
de um lado a lata,
o trapo, a pasta,
do outro as escovas;
numa perna a flanela,
na outra o pano de brilho.
...
- Anda logo moleque,
tô com pressa!
...
Findo o batuque
do pano no sapato
espera a gorjeta.

Lá vai o menino:
caixa suja,
dor nas costas,
pé no chão.
...
- Ô pivete,
o que você vai ser
quando crescer?
- Sei não.
Só sei, doutor,
que só vou usar
sapato de camurça...

Carlos Almeida

Passa

Espaço verde
(que um dia foi mais verde)
ou de concreto apenas,
compartilhável,
com seu colar de metálicos,
balizados ou não.
Aberto a naturezas, culturas,
também a mediocridades.
Até propagandas tem:
vote-em-mim e coca-colas.

Lá, dia ou noite, se vê:
a criança co'a babá,
o casal de namorados,
os amantes ou afins,
seus dissabores e amores,
o executivo e os negócios,
o operário e o patrão,
o ambulante e o 'rapa',
novos e antigos amigos
- sinceros ou interesseiros -
colegas e companheiros,
matando aula, o estudante,
esculturas e chafariz,
pivetes e engraxates,
mendigos e vagabundos,
malandros e prostitutas.
'reco', polícia e ladrão,
uns rapazes delicados,
outros nem tanto, na mão,
coreto para políticos,
vendedores, pregadores
- para opostos e iguais -
co'a boca no trombone.
É ringue para rivais,
estúdio para os artistas.

Hoje o espaço é assim,
mas amanhã tudo praça.

Carlos Almeida

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Preto no branco















Quem saberá por que o homem,
ao buscar conhecimento de si,
tropeça nos fardos alheios
entulhados bem na porta
do próprio coração?

Dizem que a consciência
do sofrimento do outro
sublima o nosso. Não sei ...

Como é que se encontra
passagem livre
para a descoberta
dos caminhos interiores?

Quando é que se é bom
o bastante para não ter
que se preocupar em ser bom?

Quantas questões!
Tanta dúvida!

Se indagar
é refletir o vazio,
ao menos a página
está cheia.

Carlos Almeida

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Canto guerreiro

Tupã,
acode quem pode
teu nome cantar,
dizer que és enorme,
que vês o sofrer.

Ó grande Tupã,
não deixa o chicote
açoitar tua Terra.
Não deixa teus filhos
nas penhas morrer.
Não deixa a boa chuva
tornar-se terror
e nem o bom sol
queimar a mani.

Tupã soberano,
não deixa a mão branca
cavar o teu solo
roubar o teu ouro,
diamantes, rubis.
Não deixa Anhangá
beber da tua água
ou sem vida a deixar.

Eterno Tupã,
teus braços gigantes
estende até nós.
queremos subir
e poder ficar
além do Trovão,
tranquilos e fortes
guerreiros do bem,
guerreiros tupi.

Carlos Almeida

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Louvação ao sino do TEMPO

ao poeta Casciano Lopes (blog sino do TEMPO)          


O 'Voz das Horas'
Avisa
            a vida nova
            a prece
            os finais
Aclama
            regressos
            ouro em laços
            troféus
Chora
            lenços brancos
            ... e
No carrilhão do tempo
Ergue-se
            no campanário das existências
Canta
            em tons solenes
Canta versos
Solfejados
Em busca de reflexos
Do que foi
Do que será
            E faz cogitar
            De outros espelhos
            De outros versos
Das buscas do outro

Carlos Almeida

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Primeiros socorros

“Somos todos anjos de uma asa só,
precisamos nos abraçar para poder voar”
(Uns atribuem a Quintana, outros a Pessoa...
eu atribuo ao sentimento que inspirou o poeta)

Anjo sofre se não voa.
Preso um anjo entristece.
Precisa muito cuidado
 - que só um anjo merece - 
quando ele fica irritado.


     Meu anjo quebrou a asa.
     Vê-lo infeliz é tortura.
     É preciso muito amor
     e uma boa atadura.


Só aos pares nós voamos,
nós, anjos de uma asa só.
Quando um fica ferido
o outro fica também.
mas tem que fazer de tudo
para o seu par ficar bem.


     Anjo sofre se não voa.
     Se quebra a asa é pior.
     Mas logo ficará boa.


Anjos, assim como nós,
'inda que muito não queiram,
depressa se recuperam,
pois jamais ficam sós.


Carlos Almeida

domingo, 29 de agosto de 2010

Espinho na carne

Espinho
   carne
      dor

         Flor
            espinho
               dor

                  Abelha
                     carne
                        dor

                                             Abelha
                                          flor
                                       amor

Carlos Almeida

Basilar

O poeta que me perdoe, mas
'beleza é fundamental' ter dentro,
no coração.
É como a sábia raposa
disse ao principezinho:
'aos olhos, é invisível o essencial'.


Beleza é fundamental
em um caráter maduro.
Beleza
nos sentimentos,
dos pensamentos bons.
Tempos e ventos
deformam as externas formas.
Mas o espírito fica
se em beleza é formado.

Reverencio Vinícios,
Ele há de perdoar...
Beleza é mesmo fundamental,
mas como o disse Saint Exupéry:
Beleza que não se vê
é que é fundamental.

Carlos Almeida

sábado, 21 de agosto de 2010

Três coisas difíceis e um objetivo

Benjamim Franklin disse:
"As três coisas mais difíceis do mundo são:
guardar um segredo,
perdoar uma ofensa
e aproveitar o tempo."

Todos temos
pensamentos velados,
cismas, conhecimentos ocultos,
descobrimentos não revelados,
segredos enfim.
É natural que os haja.
É humano.
Um segredo é, em princípio,
algo que só a gente mesmo conhece.
Mas também há aquele
que se conta a alguém de confiança.
Mas contado, nunca se terá certeza
se continua secreto o segredo.
Há tantos segredos
que não deveriam ser assim
tão secretos;
que deveriam ser contados a todos,
publicados, divulgados.
Mas há outros que não se devem
nunca nem respirar
quando neles se pensa...
Senão não se sabe mais
se é segredo.
Não se sabe se fez bem ou não
a quem ouviu
ou se já não há sigilo.

Todos nós, vez por outra,
deslizamos da delicadeza,
pisamos na gentileza,
ignoramos o bom-senso
e acabamos ofendendo alguém.
... E, pior, geralmente
é pessoa próxima, amada.
Quase sempre a mais amada!
Quando a indelicadeza apenas
era só um pensamento,
uma coceira na língua,
quando ainda não havia
se concretizado em palavras
devia ter morrido entre os dentes
e os lábios.
Quando a ofensa ainda era
pequenina, um germe,
como pequena ferida,
podia ser estancada a sagria.
Mas quando se chega a ferir
com a adaga da língua
cortando o sagrado do outro,
é como prego em madeira:
tira-se o prego, mas o buraco fica.
Há vezes que se ofende
por injúria ou calúnia,
outras por falar verdade
da maneira errada,
fora de hora.
O efeito é triste!
... e será o mesmo
em qualquer caso.

Aproveitar o tempo
é coisa preciosa,
mas nada pior
que perder tempo
com desconfianças
e mágoas.
Entretanto,
uma vez dito o segredo,
ou proferido o impropério,
não se deve perder tempo
com mau pensamento.
Ou pior, perder mais que tempo
com mais ofensas
ou terríveis revelações.
Aproveitar o tempo
para quê?
Poupa-se tempo
para se ter tempo
de ser feliz!
Não se pode destruir
a ponte por onde
se quer passar...
Quando se busca alívio
o caminho de cada um
é um...
Mas, por qualquer trilho,
atalho ou ponte que vá,
vai sempre ao encontro
do mesmo ansiado
objetivo:
paz!

Carlos Almeida

sábado, 14 de agosto de 2010

Fluência

















O rio corre.
   A água escorre
      no leito macio.

         Da fonte brota
            um botão d'agua.
               Água que escorre
                  no rio que corre
                     no leito macio.

                     Correndo o rio
                  leva o botão
               até o mar
            para poder
         desabrochar.

         A água corre
            no rio que escorre
               levando macio
                  o botão d'agua
                     que desabrocha,
                        murcha no mar.

Carlos Almeida

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Presente mal passado



O carro corre.
Vento
Chuva
Passos apressados
nas calçadas passadas
O homem.
O relógio!
Voa
Vai inverno
O sino toca
Vem verão.
O homem decide.
O relógio.
A vida passa
A tinta acaba
 A ponta quebra!
Passa carro,
caminhão...
O sinal!
A tensão.
Passam correndo.
Atenção!
Bate.
O médico apressado.
O relógio!
... decidido.
O coração bate?
O coração pára.

O dia passa e também
a luz escassa deste mundo,
deste caos.
A vida acaba.
Voa a vida e não sentimos.
... E o relógio:
tique, taque,
tique, taque ...

Depois de tudo o que fica?
O que vai?
O que é que há além do túnel
(se é que algum túnel há)?
Depois do depois
vem o que?
Há muito,
desde o começo do Tempo
se quer saber de outras vidas
além do fim desta que temos.
Se continua, ou não,
o pensamento ...

Passa-se assim muito tempo
masturbando-se o entendimento.
Será que não seria melhor
passar o presente
bem passado.
Melhor usar logo,
bem e sem pressa,
o presente
do tempo
presente
enquanto ele é agora.
Senão já não é mais...
e o passado
não passa
jamais.

Carlos Almeida

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Viagem para a terra de dentro

A viagem!
Ansiava por ela.
Problema:
como dizer adeus?

Última manhã com os seus.
Foi.
Não disse nada.
Despedir-se doeria mais.
Ficassem com Deus.

Andou, andou...
Andou muito sem rumo.
Caminhos desconhecidos,
veredas místicas,
paisagens agradáveis.
Belezas invadiram seus olhos,
sua alma.

Sucederam-se casos e ocasos;
um, porém, especial:
folhas da árvore-pousada,
relva-colchão,
regato cantando,
águas avermelhadas,
douradas de poente.
Nostalgia no ar,
pedra-travesseiro,
cabeça a fiar o novelo do destino.
Coração queria mudar tudo.
Teve medo
de ter medo.

Com a noite, tristeza,
saudade dos que ficaram...

Imerso nas sombras,
na melancolia,
vigiava o nada.

Solidão,
vazio.

Emergiu para namorar a Lua.
Estrelas enciumadas rutilavam quietas.

Adormeceu.

Aurora.
Aves celebram
aromas florais.
Companheira, a brisa,
sugere, apela...
o amigo bom-senso decide:
Voltar!

Lição:
Sempre,
em qualquer canto,
viria a ser
quem sempre havia sido.

...e se a viagem solitária
- que ensinou-lhe a liberdade -
era fuga,
voltar era a satisfação
que nunca teria
se não houvesse
viajado.

Carlos Almeida

sábado, 7 de agosto de 2010

Sobre viver


sou
punhado de poeira
sobre imensas águas
gota d'água amarga
em deserto sem-fim


... cinzas
diluído em incertezas
perco-me em trevas

...
silêncio perturbador
multidão de vazios

sobre viver por hábito
dizem chamar-se
esperança
trazida pela aurora
o ocaso a leva embora.

sou isso tudo
sou nada
quando me atinge a solidão

Carlos Almeida



Retocando o toque

Mãos que sobre mãos repousam,
acenar não ousam.
Doloridas, calejadas,
dilaceradas, envelhecidas,
sofridas, vencidas.

Mãos que, num gesto,
outras mãos desativam.
Tensas, impetuosas,
frias, vendidas,
acabadas, perdidas.

Mãos que mãos procuram,
encontrando-se em outras.
Finas, delicadas,
gentis, amáveis,
seguras, musicais.

Mãos que minhas mãos procuram.
Fortes, poéticas.
Penetrando no tato a emoção,
a energia, o calor.

Retocando o tom,
sentindo o carinho
num toque.


Carlos Almeida


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Bela viola

Há sempre algum mal
      além das melhores aparências.

Há sempre uma desgraça
     escondida no canto riso.

Há sempre um odioso bandido
     por trás do infantil palhaço.

Há sempre uma ave de rapina
     dentro da inocente apicuí.

Há sempre uma gota de veneno
     instilada no sumo do açaí.

Desde Eva, há sempre no homem
     um pouco de bestafera.

Há sempre um inseto nocivo
      no colo de dama-flor.

     O mel nunca é puramente doce.

     A vida é morrer também.

Carlos Almeida

Lua nova









Cadê a Lua?

Era grande,
cheia de amor.
Mas foi minguando,
minguando...

Era de mel.
Mas, aos poucos,
foi se amargando.

Era de prata.
Mas pelo uso
(ou pelo desuso?)
foi embaçando.

Só que a Lua não foi de vez.
Escondeu-se apenas
e está se renovando.

É mesmo assim,
todos sabem:
Quando não há Lua,
aí é que ela é nova
e depois será crescente.
Logo, logo volta cheia.

Ora, se a Lua pode...

Carlos Almeida

Castigo inconfessável

Inconfessável,
mais que
o crime
de amar:
o castigo
do desejo.

Carlos Almeida

Feriado


Posam estáticos
manequins nus
nas vitrinas.

Portas cerradas,
calçadas sujas,
ruas cinzentas.

Sem-teto aos montes.
Montes de lixo,
de droga.

Cidade feia.
Fria cidade
vazia.
... de justiça.

Sem vida
como os manequins
pelados nas vitrinas.

Carlos Almeida

sábado, 31 de julho de 2010

Orgasmo cósmico

curto
o
curto
instante
como
intenso
e
raro
fosse.
O extraordinário não é ...
não há!

Carlos Almeida
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